Estevão pede novo julgamento

segunda-feira, 13 de agosto de 2012


  • Condenado à prisão e multa por superfaturamento nas obras do TRT de São Paulo, o ex-senador alega que não foram examinadas as provas de que não tem envolvimento com o caso. Ele pretende, mesmo alegando inocência, pagar a multa de R$ 450 milhões

    Cassado e com os bens bloqueados. Este foi o saldo que restou ao ex-senador Luiz Estevão. Ele perdeu seu mandato em junho de 2000, após ser acusado por superfaturamento de R$ 170 milhões das obras do fórum do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, na década de 1990.

    Absolvido em primeira instância, mas condenado em segunda, Luiz Estevão teve sua condenação mantida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), este ano. As penas a que Estevão foi condenado somam 31 anos e meio de prisão, além do pagamento de multa.

    Porém, Luiz Estevão afirma, em entrevista ao Jornal da Comunidade, que sua condenação foi dada sem o exame das provas de que não tem envolvimento com o caso do TRT de São Paulo. “Estamos tentando, agora, fazer com que o STJ reconsidere e analise as provas que temos”, diz o ex-senador. ...

    Qual é o seu envolvimento com o caso do TRT de São Paulo?
    A questão é que vem sendo repetida uma mentira há 12 anos de que eu era sócio da Incal, que foi a empresa responsável pelo empreendimento do TRT de São Paulo. Existe um fato e a partir desse fato que durou poucas horas, construiu-se um fato mentiroso que dura até hoje.

    E que fato é esse?
    Quatro dias antes da licitação fiz uma associação com a Incal visando entrar, consorciado, na licitação do TRT, realizada em fevereiro de 1992. Acontece que poucas horas depois de firmar um compromisso pelo qual eu adquiria 90% das ações do consórcio, eu tive convite de outra empresa para me associar e acabei, numa reunião com essa empresa, optando por desfazer o negócio que eu tinha feito com a Incal e firmar o compromisso com a Augusto Veloso. Era uma construtora de muito mais tradição e achei que o projeto da construtora tinha mais chance de ser vencedor da licitação.

    E o que foi feito depois disso?
    Voltei a Incal, comuniquei a eles, quatro dias antes da licitação, que meu compromisso estava desfeito. Anulamos todos os atos que tinham sido praticados e não sei por que o diretor da Incal guardou os documentos dessa desfeita associação. Esses documentos acabaram sendo encontrados numa busca e apreensão feita no escritório dele oito anos depois.

    Mesmo assim, seu nome ainda continuou ligado ao grupo?
    Sim, mas no momento da licitação eu não era sócio da Incal. Eu já tinha desfeito o meu compromisso com eles, conforme, inclusive, termo de desfazimento que também está nos autos do processo. Mas, para poderem me condenar e para me tornar personagem desse processo, preferiram ignorar todas as minhas alegações e continuar me apresentando como sócio da Incal. Só que as evidências de que isso não é verdadeiro são muitas.

    Quais seriam elas?
    Por exemplo, a primeira evidência: dois meses depois da licitação, os sócios da Incal fizeram um aumento de capital, aumentando o número de cotas de mil para quatro milhões. Ora, se eu fosse sócio da Incal naquele momento, primeiro teria de ser convidado a participar dessa assembleia e integralizado a minha parte no capital, para que eu continuasse detentor de 90% das ações. Mesmo que fosse sócio e que eu não quisesse integralizar e continuasse com as minhas 900 ações, a partir daquele momento, seu eu tivesse continuado como sócio, teria um centésimo de milhar por cento da Incal, seria um sócio de participação desprezível. De maio de 1992 até 1998, houve nove assembleias gerais dos acionistas da Incal e em nenhuma delas participei ou fui convidado a participar.  A outra prova evidente é que, em função do caso TRT, foram abertos outros processos contra os diretores da Incal.

    Que processos?
    Foram abertos cinco processos por sonegação fiscal, um por evasão de divisas, um por falsidade, e outro por estelionato. Se fosse sócio da Incal, eu teria de ser réu nessas outras ações por que os donos da Incal foram denunciados em função de serem os donos da Incal. Se o Ministério Público me considerasse  dono da Incal, é claro que eu teria de ser denunciado nessas outras ações e não fui denunciado.

    O senhor acredita que foi perseguido?
    Não. Prefiro não fazer considerações subjetivas. Prefiro continuar nos fatos. E há, ainda, outro grande equívoco em toda essa história. Quando fui incluído tanto no processo penal quanto no Tribunal de Contas da União (TCU), como réu, no ano 2000, haviam sido produzidas avaliações e perícias sobre o desenvolvimento desse empreendimento, realizadas nos anos de 1998 e 1999 quando eu não era réu em nenhum processo. Desde que eu me tornei réu, venho dizendo que precisa ser feita uma perícia na qual eu, como réu, tenha o direito de me posicionar, divergir da perícia, apresentar quesitos aos peritos, indicar assistente técnico, que é como se faz em qualquer processo.

    Então, está havendo uma condenação sem perícias, inclusive...
    Sim. Como eu não era réu em 1998 e em 1999, não participei dessas perícias que hoje servem para me condenar. Até hoje, nenhum tribunal me deu o direito a que essas perícias fossem feitas. Estou sendo condenado por perícias feitas em um período em que eu não era réu no processo. E em perícias em que não tive direito ao contraditório.

    Uma das acusações diz respeito ao superfaturamento da obra do TRT de São Paulo. O senhor considera que a obra foi, de fato, superfaturada?
    Hoje o prédio está pronto, tem 85 mil m2 e somando-se o que a União pagou a Incal, que dá aproximadamente 135 milhões de dólares e o que pagou a OAS para terminar o prédio, que dá aproximadamente 36 milhões de dólares, você tem valor total despendido pela União de 171 milhões de dólares, que em dinheiro de hoje, dá R$ 350 milhões. Hoje, o preço desse prédio seria de R$ 4.100 o m2, valor correspondente ao m2 de um apartamento em Samambaia. Então, é muito difícil os acusadores defenderem a tese de superfaturamento. Como é que um prédio de 80 mil m2, numa área central de São Paulo, por R$ 4.100 o m2 pode caracterizar o superfaturamento? Hoje ele seria facilmente vendido por um valor entre R$ 800 a R$ 900 milhões. P or isso, é preciso fazer uma nova perícia.

    O senhor está sendo acusado pelo crime de peculato...
    Sim, sob o seguinte fundamento de que de abril a julho de 1992 foram feitos pagamentos à Incal, sem suporte de contrato. Isso não é verdade. Foi assinado um contrato entre a Incal e o tribunal no dia 12 de abril e esse contrato está juntado pelo Ministério Público na própria peça acusatória. Então, a premissa de que houve pagamento entre abril e julho de 92 sem contrato e que esses pagamentos caracterizariam o crime de peculato é falsa, mentirosa. Como esse contrato não foi analisado em São Paulo, o acórdão condenatório não fala uma linha sobre esse contrato.

    E o que diz o STJ?
    Levamos o assunto até o STJ, mas ele diz que não pode examinar esse assunto por que seria revolver provas. Mas isso não é revolver prova, é examinar a prova, por que revolver significa re-examinar o que já foi examinado e o que está acontecendo é que estão se negando a examinar algo que nunca foi examinado.

    Também é citado por corrupção...
    Essa é outra questão surpreendente nesse julgamento. O tribunal de São Paulo diz que os sócios da Incal, onde erradamente incluem meu nome, teriam corrompido o juiz Nicolau e diz que os sócios da Incal e Nicolau faziam parte de uma quadrilha. Ora, se todos são membros de uma quadrilha, como é possível admitir que um corrompa o outro? Membros de uma quadrilha, se o são, um não precisa corromper o outro, pois têm o mesmo objetivo.

    E a questão do estelionato?
    A alegação é de que foram cometidos, no período de julho de 1993 a 1998, mediante a elaboração de relatórios falsos sobre o andamento da obra no TRT, que faziam com que fossem feitos pagamentos em descompasso com o andamento das obras. Esses relatórios estariam sendo feitos por dois engenheiros, Gilberto Paixão e Gama e Silva, contratados pelo TRT, que produziam relatórios falsos, aprovados pelo juiz Nicolau, que era presidente da comissão de obras e que ensejavam a liberação dos pagamentos. Essa é a base do estelionato. Só que os dois engenheiros foram absolvidos. Sendo assim, os relatórios não são falsos. Se os relatórios não são falsos, onde está o estelionato? Inclusive, em 2006, na ação civil pública, que apura o mesmo fato, foi feita uma perícia determinada pela juíza da 12ª Vara Federal e aponta o seguinte: que não tinham sido liberados 98% das verbas, como disse a perícia de 98 e 99, mas sim 78%; diz que não havia apenas 64% do empreendimento pronto, mas sim 75%. Ou seja, essa perícia desmente o descompasso alegado nas perícias anteriores.

    O que o senhor busca, agora?
    Pretendemos que algum tribunal se pronuncie sobre esses pontos, frise-se que eu fui absolvido em primeira instância, condenado em segunda instância e o STJ alega que não pode rediscutir os termos da condenação por que seria revolver provas. Ora, é sabido no direito penal que existe o duplo grau de jurisdição. O que quer dizer isso? Você nunca pode ser julgado por apenas uma instância. Você tem de ter o direito de ser julgado por uma instância e esse julgamento ser revisto por uma instância superior. No nosso caso, estamos sendo julgados por apenas uma instância. Por que na primeira instância o juiz não examinou prova nenhuma, pois disse que a denúncia era descabida e absolveu todo mundo. Na segunda, houve a condenação e quando pretendíamos que tivéssemos direito ao exame das nossas alegações, não encontramos espaço no STJ. É uma situação que pretendemos que haja mudança. Que o processo volte ao TRF-3 para que nossas alegações sejam examinadas.

    O senhor acha que houve algum tipo de contaminação nesse julgamento, devido à ampla cobertura do caso?
    Sim.  Toda reverberação externa, de alguma maneira pode contaminar a análise do processo.

    O senhor acredita que o caso tomou esse caminho por que à época era senador?
    Não tenho dúvida. Naquele momento, você tinha um juiz, embora não fosse um juiz de carreira, e tinha um senador. Então, é inevitável que esse assunto tomasse proporções públicas muito grandes. Agora, o que se espera, passados 12 anos, é que esses componentes políticos e midiáticos tenham se esvaziado e que o julgamento possa ser uma questão eminentemente técnica, com análise de provas.

    No ano passado o senhor sugeriu um acordo com a Advocacia Geral da União para o pagamento da multa a que o senhor foi condenado. Como está esse acordo?
    Embora eu não tenha nenhuma responsabilidade sob essa questão do TRT, as consequências que estou arcando em função desses problemas estão me impedindo de exercer a minha atividade empresarial. Eu tenho, hoje, 2.500 imóveis bloqueados, terrenos valiosos, que têm custo de manutenção caro, em função dos altos valores de IPTU e que nós não podemos empreender. Chegamos à conclusão de que é melhor pagar esses valores, mesmo que não sejam devidos por mim. É melhor resolver isso e poder colocar esses imóveis no mercado, tornado-os produtivos. Se hoje eu pudesse construir e vender empreendimentos construídos nesses imóveis, teria um faturamento de aproximadamente R$ 12 bilhões. E a multa representa um débito de R$ 450 milhões. Ou seja, 4% desse valor estão nos impedindo de empreender.


    Caso esse acordo seja aceito, cessa a ação penal?
    Não, por que esse é apenas um acordo cível. E na verdade não estou propondo um acordo, estou propondo apenas que eles aceitem que eu pague nos termos deferidos pelo governo. O governo, através das Leis nº 11.941 e nº 12.249 permitiu que os débitos perante a União fossem parcelados em até 180 meses. O meu entendimento é de que esse é um débito perante a União, até por que inúmeras condenações do TCU já foram parceladas nesses termos. Então, o que estamos pleiteando é parcelar da mesma maneira como centenas de milhares de pessoas parcelam seus débitos.

    Caso o STJ faça o julgamento e o inocente, esse dinheiro será devolvido ao senhor?
    Não, por que, quando entro com o pedido de parcelamento, uma das condições é confessar o débito.

    Então, se o senhor for inocentado, o senhor já pagou. O governo não terá gasto nada para construir o prédio do TRT...
    É a mais pura verdade. Não terá pago nada. Ganhou de graça aquele prédio, um patrimônio em que ela vai receber de volta mais do que ela gastou.

    A renda do senhor, hoje, é proveniente de que?
    Da locação dos imóveis que conseguimos construir e alugar.

    O senhor vê erros grotescos em outros julgamentos que vieram depois do seu, como o do mensalão?
    Não vejo semelhanças. E também não chamaria de erros grotescos. Acho que nós estamos sofrendo as consequências de um vazio de prestação jurisdicional. Estamos nessa situação, esperando e rezando para que alguém, em algum momento, reconheça que não houve exame dessas provas.

    Este fato interrompeu sua vida empresarial e política. O senhor sente revolta?
    Não sinto revolta por que revolta não é sentimento construtivo. A gente tem de se conformar e dedicar nossa energia para aquilo que é possível fazer. E o que é possível fazer hoje? Demonstrar, do ponto de vista penal e cível, que não sou responsável por nada disso de que me acusam e procurar equacionar a minha vida empresarial de tal maneira que ela possa ter continuidade.

    O senhor pensa em voltar para a política?
    Nunca. Não por que tenha alguma mágoa. Passei cinco anos e meio na política e foi um momento de experiência muito boa, mas a política exige de você uma mudança de vida muito profunda. A política é uma atividade que te absorve integralmente. Existe uma mentira de que o político é uma pessoa que trabalha pouco. Pela minha experiência, não há atividade humana que demande mais dedicação do que a política. Por que você, para se manter na política, tem de ter destacada atuação no cargo que ocupa e manter uma comunicação permanente com seu eleitorado e isso, a partir do momento em que você acorda até o momento que você dorme, não pode se descuidar desses dois pontos.

    Por Alline Farias e Ricardo Callado

    Fonte: Jornal da Comunidade - 13/08/2012

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