Destaque da revista ÉPOCA na semana: As provas contra o BMG

sábado, 25 de agosto de 2012

  • Uma denúncia inédita do Ministério Público Federal, a que ÉPOCA teve acesso, acusa dirigentes do banco de cometer crimes para abastecer o mensalão

    ASCENSÃO
    A sede do BMG, em Belo Horizonte (MG). Depois da aproximação com o PT, o lucro do BMG subiu de R$ 85 milhões em 2002 para R$ 583 milhões no ano passado (Foto: Beto Novaes/Estado de Minas )

    Em março de 2006, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, enviou ao Supremo Tribunal Federal a denúncia do mensalão. Nela constavam 40 acusados de participar do esquema. Dois bancos haviam abastecido o mensalão, mas apenas os dirigentes de um, o Rural, haviam sido denunciados. A cúpula do BMG não fora incluída entre os réus porque o Ministério Público queria investigar melhor as relações do banco com o governo petista. Apesar disso, Antonio Fernando apontou como o BMG participara do mensalão: “Buscando o recebimento de ganhos indevidos do governo federal, o que de fato ocorreu, os dirigentes do BMG injetaram recursos milionários na empreitada delituosa, mediante empréstimos simulados”. Pelo menos um ganho, segundo Antonio Fernando, ficara comprovado: “O BMG foi flagrantemente beneficiado por ações do núcleo político-partidário, que lhe garantiram lucros bilionários na operacionalização de empréstimos consignados de servidores públicos, pensionistas e aposentados do INSS, a partir do ano de 2003”. ...

    Antonio Fernando enviou as informações da investigação do mensalão a seus subordinados em Minas Gerais ainda em 2006. Em dezembro daquele ano, a Procuradoria da República denunciou quatro diretores do BMG por gestão fraudulenta e falsidade ideológica. Na peça – inédita até hoje e a que ÉPOCA teve acesso –, Ricardo Guimarães, João Batista de Abreu, Márcio Alaôr de Araújo e Flávio Guimarães, os diretores do BMG, são acusados pelo Ministério Público Federal de liberar mais de R$ 43 milhões “mediante empréstimos simulados” ao PT e às empresas de Marcos Valério. Foram cinco operações, entre fevereiro de 2003 e julho de 2004. A Procuradoria também processa por falsidade ideológica os petistas José Genoino e Delúbio Soares, Marcos Valério, sua mulher, Renilda Fernandes de Souza, e seus sócios nas empresas, Ramon Hollerbach Cristiano de Mello Paz e Rogério Tolentino. O processo corre em segredo de Justiça – a Justiça Federal aceitou a denúncia contra todos os réus e diz que o caso está pronto para ser julgado.

    Na denúncia, o Ministério Público concluiu que os quatro dirigentes do BMG cometeram crime de gestão fraudulenta, na forma de “pretensos empréstimos, irregularmente autorizados pelos diretores da instituição financeira, a empresas com situação econômico-financeira sabidamente deficitária, incompatível com o montante emprestado e com frágeis garantias”, nas palavras do procurador Patrick Salgado Martins. O MP afirma que o BMG emprestou dinheiro de modo displicente, sem esperar que o PT ou Marcos Valério pagassem a dívida. Salgado se convenceu disso porque o BMG perdoou altos valores na rolagem das dívidas e pela falta de registro contábil dos empréstimos nas empresas de Valério. É incomum que bancos concedam mais prazo ou mais dinheiro sem receber uma parte do pagamento. O comportamento do BMG fugia ao padrão dos conservadores bancos brasileiros. O banco só começou a cobrar o PT em junho de 2005, quando o escândalo do mensalão estava na praça.

    O TOMA LÁ...
    Os destinos do BMG e do PT se encontraram em janeiro de 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República. O PT – endividado com a campanha de 2002 e os compromissos financeiros assumidos com os líderes do Congresso – precisava de dinheiro. O BMG, até então um pequeno banco que oferecia empréstimos para a compra de carros, queria expandir seus serviços aos 21 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, mercado com alto potencial. O PT tinha o que o BMG queria (a carteira de crédito consignado do INSS) e o BMG tinha o que o PT precisava (dinheiro para pagar suas contas).

    Ainda faltava alguém que os unisse, alguém com os talentos e a discrição necessários a uma negociação do gênero – alguém como Marcos Valério. s De acordo com os autos do processo do mensalão, Valério conquistara a confiança do tesoureiro Delúbio Soares, principal encarregado de arrecadar dinheiro para o PT. Depois da eleição de Lula, afirma o processo, Delúbio dera a Valério aval para fechar negócios em nome do PT, com a garantia de que o governo petista honraria os acordos. Ainda em janeiro de 2003, antes que o governo Lula completasse um mês, Valério já iniciava as tratativas com o BMG e o Rural.

    O contato de Valério e Delúbio no BMG era, segundo o inquérito, Ricardo Guimarães, presidente do banco. De acordo com a narrativa oferecida pela leitura dos autos, primeiro Delúbio foi à sede do BMG, em Belo Horizonte, pedir dinheiro a Guimarães. Depois, Valério reforçou o pedido – e se ofereceu como avalista. Logo depois das primeiras reuniões, os autos registram que o BMG começou a liberar dinheiro para o PT e Valério. Em 17 de fevereiro de 2003, o BMG acertou um empréstimo de R$ 2,4 milhões para o PT. Delúbio e José Genoino, então presidente do PT, assinaram pelo partido. Valério assinou como avalista. Três dias depois, Valério levou Guimarães ao Palácio do Planalto, onde ambos foram recebidos por José Dirceu, então ministro da Casa Civil. O que se discutiu nesse encontro? Os três dizem que Guimarães apenas convidou Dirceu para a inauguração de um frigorífico do grupo BMG, em Goiás. (Dirceu compareceu à cerimônia meses depois.) Na reunião, eles asseguram, não se discutiram empréstimos, negócios, nada. Cinco dias depois dessa reunião, o BMG liberou um segundo empréstimo, desta vez para a SMP&B, uma das agências de Valério, no valor de R$ 12 milhões. Em poucas semanas, a aproximação com o BMG rendera R$ 14,4 milhões ao PT e às empresas de Valério.

    Em setembro de 2003, segundo depoimentos presentes nos autos do processo, Valério foi incumbido pelo PT de “ajudar” a psicóloga Maria Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, a “melhorar de vida”. Novamente, Valério recorreu ao BMG e ao Rural. O Rural liberou dinheiro para que ela comprasse um apartamento mais espaçoso. O BMG deu um emprego a ela, na área de recursos humanos do banco. Ângela já tinha emprego. Dava expediente até as 5 da tarde no serviço público em São Paulo. Ela afirmou mais tarde que trabalhava para o BMG à noite e nos fins de semana. “Minha obrigação era atender, atender não, trabalhar lá meio período bancário. Três horas por dia”, disse. Em janeiro de 2004, o BMG emprestou mais dinheiro a Valério. Foram R$ 15 milhões para a Graffiti, outra de suas agências. Em julho de 2004, saiu o quinto e último empréstimo do BMG ao grupo do mensalão. Ao todo, o BMG liberara R$ 43,6 milhões.



    ...E O DÁ CÁ
    Em 13 agosto de 2004, o presidente Lula assinou o Decreto no 5.180, que abriu a todos os bancos o mercado de crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS. Até ali, só bancos que já pagavam benefícios a esses segurados podiam oferecer essa modalidade de crédito, em que o banco empresta dinheiro e as prestações são descontadas do salário do beneficiário. É um negócio seguro – e lucrativo – para os bancos. Cinco dias após o decreto presidencial, o BMG pediu oficialmente para entrar nesse mercado. Oito dias depois, recebeu autorização do INSS. Outros dez bancos fizeram pedido igual, na mesma época. Todos levaram pelo menos 40 dias para receber a mesma autorização. O BMG começou a operar antes mesmo que outro entrave burocrático, uma Instrução Normativa do INSS que definiu as regras para esse mercado, entrasse em vigor. Os outros dez bancos ainda tiveram de esperar pela instrução.

    Em 29 de setembro de 2004, o presidente Lula enviou 10,6 milhões de cartas a segurados do INSS para “informá-los” sobre a possibilidade de obter esse tipo de empréstimo – já oferecido pela Caixa. Naquele momento, somente o BMG, entre os bancos privados, prestava o serviço. “Esperamos que essa medida possa ajudá-lo a atender melhor às necessidades do dia a dia. Por meio de ações como esta, o governo quer construir uma Previdência Social mais humana, justa e democrática. Afinal, a Previdência é sua!”, dizia a carta de Lula. Mais tarde, o Ministério Público Federal ofereceu ação de improbidade contra Lula, afirmando que “a finalidade pretendida com o envio das correspondências era promover as autoridades que assinavam a carta e favorecer o banco BMG, única instituição particular apta a operar a nova modalidade de empréstimo”.

    Com condições favoráveis, o BMG operou com pouca concorrência num mercado em que a demanda era abundante. Sua carteira de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS engordou e, três meses depois, o BMG a vendeu à Caixa Econômica Federal por R$ 1 bilhão. O BMG, que já operava com crédito consignado desde 1998, tornou-se um gigante nesse mercado. Fechou o ano de 2004 com lucro de R$ 275 milhões – um crescimento de 205% em relação ao lucro de R$ 90 milhões no ano anterior. No ano seguinte, o lucro foi de R$ 382 milhões. Àquela altura, o BMG se tornara o 31o banco do país. (Em 2002, antes do governo Lula, o BMG não estava entre as 50 maiores instituições financeiras brasileiras.) No ano passado, o BMG lucrou R$ 583 milhões, comprou outro banco e se tornou o 17o do país em ativos totais. No mês passado, enquanto o Rural se preparava para o julgamento do mensalão no Supremo, o BMG se tornava sócio do Itaú Unibanco, o maior banco da América Latina, cedendo a ele 70% de suas operações no mercado consignado.

     


     A QUEDA
    Em junho de 2005, quando se noticiou o envolvimento do BMG no mensalão, os principais órgãos de controle do país esmiuçaram o papel do banco no valerioduto. O Tribunal de Contas da União examinou a entrada do BMG no mercado de empréstimos consignados do INSS. A Polícia Federal investigou as operações de lavagem de dinheiro do mensalão envolvendo o BMG. O Banco Central analisou a lisura dos empréstimos liberados pelo BMG ao PT e a Marcos Valério. A CPI dos Correios e a Procuradoria-Geral da República centraram-se no nexo entre a concessão desses empréstimos e as vantagens obtidas pelo BMG no crédito consignado do INSS. Todas as investigações identificaram irregularidades (leia os quadros acima).

    O TCU, depois de auditar as circunstâncias de concessão do crédito consignado ao BMG, concluiu que “não se encontram razões para a prioridade dada ao pedido do BMG”. O voto do ministro Augusto Sherman afirmou: “As irregularidades encontradas nos procedimentos adotados pelo ex-presidente do INSS e o tratamento desigual (...) denotam explícito e indevido favorecimento (...) A situação é gravíssima, porque houve a participação direta do então presidente do INSS no atendimento privilegiado e fora dos procedimentos usuais e legais”. Por causa desse caso, o então presidente do INSS, Carlos Bezerra, foi multado em R$ 15 mil.

    Coube à PF e ao Banco Central devassar os empréstimos do BMG ao PT. “Restou comprovado que os empréstimos concedidos ao PT e às empresas de Valério foram aprovados pela diretoria sem observância de normas do Banco Central nem tampouco das normas internas do banco”, diz um laudo da PF. Em resumo, os peritos apontam três problemas nos empréstimos. Primeiro, segundo eles, o BMG não fez verificações suficientes do PT e das empresas de Valério. Segundo, as garantias dadas em troca eram frágeis. Terceiro, os relatórios das operações demonstravam que tanto o PT quanto as empresas de Valério não tinham dinheiro suficiente para pagar. O BC concordou. Em novembro de 2007, puniu o BMG e seus principais dirigentes por infrações na condução do banco. O BC considerou que o BMG emprestou o dinheiro sem analisar o risco de crédito, sem exigir os documentos necessários dos avalistas e ainda concedeu novos empréstimos somente para que o PT e Valério conseguissem pagar os primeiros empréstimos. “A falta de cuidado e zelo dos administradores confirma a acusação de infração de natureza grave na condução dos negócios da instituição financeira”, afirma a decisão.

    O BMG recorreu da decisão do BC ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, ou Conselhinho, órgão de fiscalização do Ministério da Fazenda. No dia 6 de dezembro do ano passado, o recurso do BMG foi julgado. O relator do caso foi o advogado Francisco Satiro, representante da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (Ancord). Satiro livrou os dirigentes do BMG da inabilitação. Em seu voto, disse que as operações condenadas pelo Banco Central não ofereceram “efetivo risco ao Sistema Financeiro Nacional”. Com a reforma da decisão do BC, restou-lhes pagar uma multa de R$ 100 mil. “A punição era devida. Tanto é que foram punidos”, afirmou Satiro a ÉPOCA. “Mas o Conselhinho não considerou que fossem infrações graves a ponto de inabilitar seus administradores.”

    Em nota a ÉPOCA, o BMG defende a legalidade dos empréstimos: “Todos os empréstimos concedidos pelo BMG ao Partido dos Trabalhadores e às empresas relacionadas ao Sr. Marcos Valério foram precedidos de criteriosa análise de crédito do banco a partir de farta documentação, levando em consideração o conjunto de vários fatores, dentre eles situação financeira do tomador, capacidade de pagamento, perspectivas futuras de crescimento, total de endividamento, levantamentos efetuados através do Serasa e Equifax, apontando baixo risco de crédito qualidade e suficiência das garantias apresentadas (...) Gostaríamos de ratificar que todos os depósitos oriundos dos empréstimos foram feitos nas contas dos favorecidos em outras instituições financeiras onde mantinham conta, não cabendo ao BMG o acompanhamento da destinação do próprio”. Sobre a acusação de favorecimento na liberação do crédito consignado, o BMG afirma: “O convênio celebrado pelo BMG com o INSS seguiu os trâmites burocráticos daquela autarquia, sem qualquer interferência de terceiros. Como o BMG foi a primeira instituição não pagadora de benefício a requerer o credenciamento junto ao órgão, apresentando de plano toda a documentação exigida, pois sempre esteve preparado para se conveniar, a qualquer momento, o convênio foi assinado a partir da redação de minuta-padrão que seria utilizada em futuros pedidos de credenciamento”.
     
    Por Marcelo Rocha e Leandro Loyola

    Fonte: Revista ÉPOCA - Edição 745 - 25/08/2012

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