PF: Mabel assinou variação salarial de fantasma

terça-feira, 4 de setembro de 2012

  • Laudo atesta que alguém falsificou a assinatura do deputado em 83 ocasiões para dar o golpe da creche. Em uma, porém, a firma é, segundo o laudo, realmente dele. Por conta disso, procurador vê “indícios” de sua participação e manda caso para o STF



    Ao longo da investigação do chamado “golpe da creche”, o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) sempre afirmou que alguém falsificara a sua assinatura para realizar a contratação irregular de funcionários fantasmas. Um laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Federal atesta a afirmação do deputado, exceto por um caso. Em 83 ocasiões, de fato, a sua assinatura foi falsificada. Mas, segundo a PF, foi o próprio Mabel quem assinou uma alteração de salário do pasteleiro Severino Lourenço dos Santos Neto. O pasteleiro nunca trabalhou de fato na Câmara, mas foi formalmente lotado como servidor no gabinete de Sandro Mabel. O golpe da creche consistia no seguinte: pessoas humildes da periferia de Brasília eram abordadas com a promessa de que políticos poderiam conseguir para elas benefícios sociais – como auxílio-creche – desde que assinassem alguns documentos. Ao assinarem, essas pessoas, na verdade, estavam sendo contratadas como funcionárias. Em troca, recebiam auxílios que a Câmara paga a seus servidores, enquanto a quadrilha embolsava o valor do salário pago. ...

    O laudo do exame grafotécnico da Polícia Federal integra o inquérito 17/09 da Polícia da Câmara, que investiga o golpe da creche. Foi pedido justamente para verificar a responsabilidade de parlamentares no caso, já que sem suas assinaturas as contratações nos gabinetes não são possíveis. De acordo com a perícia, outras assinaturas de Mabel foram falsificadas, mas não é possível saber quem as fez. É o próprio Mabel quem informa que, no total, as assinaturas consideradas falsas foram 83.

    Além de afirmar que as assinaturas não eram suas, Mabel sempre disse desconhecer quem era Severino, o pasteleiro, e que ele, pelo menos no papel, fora funcionário de seu gabinete. Mas, para o procurador da República Bruno Calabrich, o fato de ter havido um momento em que foi o próprio Mabel quem assinou um termo referente à sua contratação seria um indício de sua participação “dolosa” – ou intencional – no esquema. A isso, Calabrich reforça com depoimento de sua chefe de gabinete. O inquérito mostra indícios de que ele fez “nomeações de secretários parlamentares ‘fantasmas’ na Câmara”.

    Como mostrou o Congresso em Foco, da conta corrente aberta em nome do pasteleiro saíram recursos para o ex-motorista de Sandro Mabel, Francisco José Feijão de Araújo, o “Franzé”, que é suspeito de ser e chefe da quadrilha, mas também para pessoas ligadas a Mabel. O deputado ajudou o ex-funcionário a comprar um carro.
    Em nota, o deputado disse que, das 84 assinaturas questionadas, 83 eram falsas. Ele afirmou que vai mandar fazer nova perícia nessa única assinatura restante, que a PF atestou como sendo sua. “Por que uma apenas seria verdadeira?”, questionou. “Ficou atestado que 99% das assinaturas examinadas pelo exame grafotécnico eram falsas, incluindo a que nomeou o pasteleiro Severino.” Leia íntegra da nota e trecho do laudo.

    Gurgel quer providências
    No Supremo Tribunal Federal, o inquérito 3421, derivado do mesmo caso, apura a conduta de Mabel, que tem foro privilegiado por ser parlamentar. O procurador geral da República, Roberto Gurgel, pediu aos ministros do STF “providências” para continuar a investigação. Ele já havia adiantado ao Congresso em Foco que uma dessas diligências seria obter a íntegra do laudo de exame grafotécnico quando ele ficasse pronto.

    Agora, com o documento constante do inquérito 17/09, o caso deve ir ao Supremo também e se somar à papelada do 3421. O procurador Bruno Calabrich pediu à Justiça Federal que remeta os autos para o STF por envolver Mabel, autoridade com foro especial. Ele já  havia tomado a mesma atitude no processo, que hoje está no gabinete da ministra Cármen Lúcia.

    Punho de Mabel
    O laudo do Instituto Nacional de Criminalísitca (INC) da PF afirma que há uma grafia atribuída a Mabel acima do texto “Assinatura do(a) Deputado”. De acordo com os peritos, “foram encontrados diversos elementos gráficos convergentes, tanto de ordem formal quanto genérica, com o material padrão fornecido por Sandro Mabel Antônio Scodro”. Para os peritos, esses grafismos “são suficientes para afirmar que os lançamentos questionados partiram do punho do fornecedor do referido material gráfico padrão”.

    A assinatura questionada se refere à alteração salarial do pasteleiro Severino, que nunca trabalhou na Câmara, mas chegou a receber R$ 7 mil por mês, entre salários, auxílio-creche para os três filhos e vale-transporte. Indiciado por estelionato tanto pela polícia quanto pelo Ministério Público, o pasteleiro afirma em entrevistas ao Congresso em Foco que foi enganado por “Franzé”, o então motorista de Mabel, e que nunca se apropriou da fraude. “Quando foram tomar meu depoimento, eles mesmos disseram que eu não tinha nada com isso”, reafirmou Severino na terça-feira (28), ao conversar com a reportagem.

    Ele disse que forneceu documentos e assinou papéis na expectativa de receber um bolsa-família para suas filhas. Isso realmente aconteceu. Severino ficou com um valor de R$ 100 a até R$ 300 por mês. O restante ficou com a quadrilha, mostram as investigações.

    Como as demais assinaturas não são do deputado, Calabrich levantou perante a Justiça Federal a hipótese segundo a qual Mabel deixou propositalmente que outras pessoas forjassem as portarias de contratação e alteração de salários. No futuro, raciocina o procurador, o parlamentar poderia dizer desconhecer a situação.

    “Não se pode descartar, notadamente diante do depoimento de sua chefe de gabinete, a hipótese de que o deputado tenha deliberadamente solicitado que alguém firmasse os documentos em seu nome exatamente para que posteriormente pudesse alegar que ‘desconhecia a contratação de servidores fantasmas’.”

    Conhecimento do ilícito
    Mas, para Calabrich, “há razoáveis indícios que o deputado Sandro Mabel tinha conhecimento das contratações ilícitas”. Além de Severino, mais três funcionários lotados no gabinete de Mabel afirmaram nunca terem trabalhado na Câmara. O deputado disse desconhecê-los. Em depoimento, a chefe de gabinete Maria Solange Lima disse que “as contratações eram realizadas pelo deputado”.

    A administração de pessoal e da verba de gabinete usada para isso – de R$ 60 mil mensais à época – eram controladas por Mabel, disse Solange. “As contratações, bem como os valores pagos aos servidores era resolvido (sic) pelo deputado, o qual sempre perguntava à declarante acerca da disponibilidade ou não de recursos dentro da verba parlamentar”, afirmou a chefe de gabinete nos autos do inquérito.

    Por meio da assessoria do deputado, Solange Lima disse que não prestaria nenhum esclarecimento.







    Fonte: Congresso em Foco - 03/09/2012

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