"Saquei R$ 150 mil para Agnelo"

sábado, 22 de outubro de 2011

Principal testemunha da Operação Shaolin e ex-funcionário das ONGs 
que participaram das fraudes no Ministério do Esporte, Michael Vieira 
acusa o governador do DF e ex-ministro de ser o principal chefe do 
esquema e de ter recebido propina

 
ENROLADO  Governador do DF teria comandadoas fraudes no programa Segundo Tempo, de acordo com testemunha

Nos últimos dias, o escândalo dos desvios de verbas de ONGs ligadas ao Ministério 
do Esporte, detonado pelo policial militar João Dias Ferreira, atingiu em cheio o 
ministro Orlando Silva e colocou em xeque a administração de nove anos do 
PCdoB à frente da pasta. Agora, uma nova e importante testemunha do caso 
pode dar outros contornos à história, ainda repleta de brechas e pontos obscuros. 
O que se sabia até o momento era que os comunistas, além de terem aparelhado 
o Ministério do Esporte, montaram um esquema de escoamento de verbas 
de organizações não governamentais para abastecer o caixa de campanha do partido 
e de seus principais integrantes. Em depoimentos ao longo da semana, o PM João
 Dias acusou Orlando Silva de ser o mentor e principal beneficiário do esquema. 
A nova testemunha, o auxiliar administrativo Michael Alexandre Vieira da Silva,
 35 anos, apresenta uma versão diferente. Em entrevista à ISTOÉ, Michael afirma 
que o atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, e ex-ministro do 
Esporte, hoje no PT, mas que passou a maior parte de sua trajetória política no PCdoB, 
é quem era o verdadeiro “chefe” do esquema de desvio de recursos do Esporte. 
Até então, Agnelo vinha sendo poupado por João Dias.

Michael foi a principal testemunha da Operação Shaolin, deflagrada no ano passado 
pela Polícia Civil do DF e na qual foram presas cinco pessoas, entre elas o próprio 
soldado João Dias. Seu papel nesse enredo é inquestionável. Michael trabalhou nas 
ONGs comandadas por João Dias, conheceu as entranhas das fraudes no Ministério 
do Esportes e, durante um bom tempo, esteve a serviço dos pontas-de-lança 
do esquema. Sobre esse período, ele fez uma revelação bombástica à ISTOÉ: 
“Saquei R$ 150 mil para serem entregues a Agnelo (então, ministro)”, disse ele 
na entrevista.

COMPLICOU Denúncias de desvios de verbas do Ministério do Esporte fragilizaram o ministro Orlando Silva e a administração comunista

Em 2008, Michael já havia denunciado todo o esquema das ONGs no Ministério do 
Esporte e, desde então, passou a colaborar secretamente com os investigadores. 
Hoje, se mudou de Brasília e vive escondido. Os depoimentos de Michael serão 
cruciais para o andamento inquérito 761 sobre o envolvimento de Agnelo, que 
corre no STJ e deverá ser remetido ao STF pelo procurador-geral da União, 
Roberto Gurgel. Partícipe do esquema, Michael tem uma série de elementos para 
afirmar categoricamente que era Agnelo “quem chefiava o esquema”. Durante o 
tempo em que trabalhou no Instituto Novo Horizonte, o auxiliar administrativo 
ficou sabendo de entregas de dinheiro e da liberação de convênios, por meio de 
Luiz Carlos de Medeiros, ongueiro e amigo do governador. “Medeiros falava 
demais... Sempre comentava que estava cansado de dar dinheiro para Agnelo”, 
diz. Sobre o ministro Orlando Silva, Michael afirma que ouviu seu nome uma única vez 
e por meio do delegado Giancarlos Zuliani Júnior, da Deco (Divisão Especial de 
Repressão ao Crime Organizado). “Contei a Giancarlos sobre a existência de um 
cofre num depósito de João Dias, em que havia armas e documentos que 
poderiam incriminar algumas pessoas. Aí ele me perguntou se eu sabia do 
envolvimento de Orlando Silva e da ONG Cata -Vento”, lembra.

Na entrevista à ISTOÉ, Michael revela ainda que o esquema de fraudes com ONGs 
de fachada transcende as fronteiras do PCdoB e do Esporte. Atingiria também, 
segundo ele, o Ministério da Ciência e Tecnologia, então na cota do PSB. Ele conta 
que chegou a ser convocado pela CPI das ONGs para falar sobre o tema, mas seu 
nome foi retirado da lista de depoentes na última hora sem qualquer justificativa. 
Sobre o envolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia, Michael diz que o 
Instituto Novo Horizonte chegou a assinar convênios com a Secretaria de Inclusão 
Social, subordinada à pasta, para a instalação de uma biblioteca digital em Natal, 
no Rio Grande do Norte, no valor de R$ 2 milhões. Esses contratos, segundo 
Michael Vieira, teriam sido avalizados pelo então secretário, o atual deputado 
distrital Joe Valle (PSB), amigo de Medeiros e definido no grupo como laranja 
de João Dias no comando do Instituto Novo Horizonte.

Com todo esse arsenal de informações, entende-se por que a investigação sobre 
as fraudes do PCdoB no Distrito Federal foi deflagrada a partir de denúncia de Michael 
ao Ministério Público. O que Michael contou à ISTOÉ, com riqueza de detalhes, 
também está registrado em outros 11 depoimentos que prestou em sigilo à Polícia, 
ao Ministério Público e à Justiça nos últimos três anos. Michael e o policial João 
Dias participavam de um mesmo esquema enquanto Agnelo Queiroz ocupou o 
Ministério do Esporte. Depois, tomaram rumos diferentes. Agnelo se elegeu 
governador do Distrito Federal e o PM circula ao seu lado até hoje, mesmo sendo 
réu em um processo que apura desvio de dinheiro público. No governo do DF, 
emplacou um afilhado político, Manoel Tavares, na BRB Seguros, a corretora do 
Banco Regional de Brasília, um dos cargos mais cobiçados do governo local. Até 
bem pouco tempo atrás, o PM mantinha silêncio absoluto sobre as fraudes das 
quais participou, confiante de que sua relação com autoridades influentes lhe serviria 
de salvo-conduto. “Ele fez isso por dinheiro e para se livrar das denúncias que fiz a 
seu respeito”, afirma Michael. Ele assegura que João Dias tentou silenciá-lo, 
primeiro com ofertas financeiras, e depois com ameaças de morte. Por causa do 
assédio, Vieira entrou no Programa de Proteção a Testemunhas. Mas após alguns 
meses abriu mão da proteção para tentar retomar sua vida. Hoje, Michael vive 
com mulher e filhos de pequenos bicos e da ajuda de amigos numa cidade do interior 
de outro Estado. Não se arrepende de ter denunciado o esquema, mas 
passou a desconfiar de tudo e todos, especialmente depois que foi usado 
pelo ex-governador Joaquim Roriz para atingir Agnelo na campanha eleitoral do 
ano passado.

LUXO O PM (acima) que delatou o esquema mora numa mansão em Sobradinho (DF). Em sua garagem, um Volvo, um Camaro e uma BMW
 

À ISTOÉ, Michael pediu que seu rosto não fosse inteiramente revelado. A decisão 
de romper o pacto de silêncio deve-se, segundo ele, à indignação com a postura de 
João Dias no episódio. “Não posso aceitar que um cara como João Dias pose de 
bom-moço para a sociedade”. O desabafo, no entanto, não invalida as denúncias
 a respeito do esquema no Esporte nem as desqualifica, afinal não se espera que 
pessoas escaladas para participar de fraudes sejam selecionadas num convento. 
Mas é fato que João Dias tem uma ficha corrida para lá de complicada. Levantamento 
da ISTOÉ encontrou nada menos que 15 ocorrências policiais contra o PM, que tem 
fama de truculento. Há acusações de lesão corporal, roubo e ameaças de morte. 
Brigas no trânsito, dentro de hospitais e até tentativa de golpe na locação de imóveis
 e na contratação de funcionários para atuar nos convênios do Segundo Tempo.

A trama policial tem contaminado o ambiente político em Brasília. Até o final da 
semana, a presidente Dilma Rousseff, temendo precipitar uma crise com um 
importante aliado, o PCdoB, hesitava em mudar o comando do Ministério do Esporte. 
Na quinta-feira 20, Dilma disse a assessores que não agiria sob pressão e 
reclamou publicamente do “apedrejamento moral” que o ministro do PCdoB 
estaria sofrendo. Chamou os comunistas de aliados históricos. “Temos de apurar os 
fatos, temos de investigar. Se apurada a culpa das pessoas, puni-las. Mas isso 
não significa demonizar quem quer que seja, muito menos partidos que lutaram no 
Brasil pela democracia”, afirmou. Em Brasília, Orlando Silva reuniu-se por cinco 
horas com a cúpula do PCdoB.

Ao chegar de Angola na noite da quinta-feira 20, Dilma Rousseff convocou uma 
reunião de emergência com a coordenação política do governo. No encontro, 
comentou que não tinha convicção sobre as denúncias contra Orlando Silva, mas 
admitiu que o desgaste político sofrido era irreversível. Dilma também consultou 
o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre o andamento das investigações 
na Polícia Federal e no Ministério Público. Na avaliação da presidente, as explicações 
que o ministro dos Esportes deu na Câmara e no Senado não foram suficientes 
para reverter o quadro. Pesam também contra Orlando os embates com a Fifa e a 
CBF para a organização da Copa de 2014. Dessa maneira, o mais provável é 
que a presidente aguarde os desdobramentos do caso para tomar uma decisão de 
cabeça fria. Nas fileiras comunistas, caso o PCdoB não perca o ministério, o nome 
mais cotado para substituir Orlando Silva é o da ex-prefeita de Olinda (PE) 
Luciana Santos, hoje deputada federal. Seu nome já havia sido sugerido por 
Dilma quando montou a equipe, mas Orlando acabou mantido por pressão do 
PCdoB – além de apoio aberto do ex-presidente Lula. Caso a presidente resolva 
retirar a pasta das mãos dos comunistas, já há articulações para tentar emplacar
 no cargo o ex-ministro Márcio Fortes, hoje presidente da Autoridade Pública 
Olímpica. Procurado por ISTOÉ, Agnelo estava fora do País e até o fechamento 
desta edição não havia se manifestado.

CONTRATO Empresa Personnalité, dirigida por uma pessoa ligada a João Dias, trabalha para o MP
 
 



Fonte: Revista ISTOÉ - Edição nº 2189

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