O jogo baixo no Ministério do Esporte

sábado, 22 de outubro de 2011

As denúncias de um policial contra o ministro Orlando Silva 
ressuscitam acusações que envolvem o governador Agnelo Queiroz,
 investigado no STJ pelas mesmas suspeitas de desvio de dinheiro 
público do Programa Segundo Tempo

Foto: Sérgio Lima/Folhapress
PASSADO SUSPEITO O ex-ministro do Esporte e governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, diante de grafite nas obras do Estádio Nacional, em Brasília. Ele não conseguiu se distanciar do escândalo em sua antiga pasta

Nos primeiros meses do ano passado, a política do Distrito Federal passou por uma 
crise sem precedentes. A Operação Caixa de Pandora, deflagrada pela Polícia Federal 
no fim de 2009, expôs uma rede de corrupção comandada pelo então governador, 
José Roberto Arruda (DEM), com consequências diretas na sucessão local. Arruda 
foi afastado do cargo e impedido de disputar a reeleição, o que aumentou as chances
 dos outros concorrentes.

Ganhou força a candidatura de Agnelo Queiroz, ex-ministro do Esporte, filiado ao 
Partido dos Trabalhadores pouco tempo antes, depois de duas décadas de militância 
no PCdoB. Quando ainda lutava dentro do PT para ser escolhido candidato a 
governador, Agnelo foi atingido por uma grave denúncia. No ano passado, a 
Polícia Civil do Distrito Federal concluiu uma investigação sobre desvios de 
verbas do Segundo Tempo, principal programa do Ministério do Esporte, em 
convênios firmados com duas entidades de kung fu. Ambas eram comandadas 
pelo policial militar João Dias Ferreira. As investigações apontaram indícios 
de envolvimento de Agnelo nas irregularidades dos convênios, como revelou 
ÉPOCA em maio de 2010. O inquérito da Polícia Civil tinha o depoimento de 
testemunhas que diziam ter entregado R$ 256 mil em espécie a Agnelo.

Responsável pelo caso, o delegado Giancarlo Zuliani Júnior, da Polícia Civil,
concluiu que, por envolver verbas do ministério, as investigações 
deveriam ser encaminhadas a autoridades federais. Zuliani sugeriu novas 
providências, entre elas o rastreamento dos telefones celulares de Agnelo e 
das pessoas com quem teria se encontrado na entrega do dinheiro. Em setembro 
deste ano, o procurador da República José Diógenes Teixeira pediu que o inquérito 
fosse transferido para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que comanda 
investigações contra governadores.

O caso ficou adormecido até a semana passada, quando o policial João Dias 
acusou o atual ministro do Esporte, Orlando Silva, de irregularidades na pasta,
 entre elas o recebimento de dinheiro desviado de convênios. No processo do 
STJ, no entanto, a autoridade mais envolvida nas acusações é Agnelo Queiroz. 
É a primeira vez que, nesse processo, o nome do atual governador aparece na 
Justiça Federal. Pesam contra ele as acusações de ter recebido os R$ 256 mil 
e a proximidade com João Dias. Em viagem à Europa, Agnelo disse na semana 
passada que só teve relações políticas com João Dias nas eleições de 2006. 
Segundo o inquérito, porém, era mais que isso. Testemunhas descrevem festas em
 que Agnelo e João Dias estiveram juntos – como o aniversário de uma filha de Dias.
 Em nota a ÉPOCA, Agnelo afirma que, como político, sempre compareceu a festas 
de aniversário – e não se recorda de eventos específicos.

Gravações telefônicas autorizadas pela Justiça mostram que, nos momentos difíceis, 
João Dias sempre recorreu a Agnelo. Em uma das conversas, Dias pede sua ajuda 
para preparar sua defesa em um processo na Justiça. Segundo a polícia, Dias temia 
uma ação civil pública em que o Ministério Público Federal cobra a devolução aos 
cofres públicos de R$ 3,2 milhões desviados do Ministério do Esporte. Dias nega ter 
feito esse pedido. Ele diz que foi gravado quando pedia ajuda a Agnelo contra 
as “sacanagens” feitas para jogar em suas costas a responsabilidade pelos desvios 
de dinheiro do Segundo Tempo.

Não adiantou. Em abril de 2010, João 
Dias foi parar atrás das grades por 
causa dos desvios de dinheiro do 
Ministério do Esporte repassado 
a suas entidades. De acordo com o 
relatório da polícia, na manhã do dia 5 
de abril, após a prisão de Dias, sua 
mulher, Ana Paula Oliveira, tentou falar
por três vezes com Agnelo – ela deixou recado pedindo a indicação de um advogado 
para seu marido.

Com a chegada de Agnelo ao governo, Dias sentiu-se prestigiado. Há 20 dias, 
porém, lançou o blog Em Rota de Colisão, em que fez ameaças ao governador 
e ao ministro Orlando Silva. Prometia denunciar os esquemas de corrupção no 
governo de Brasília. O que ele queria? “Fiquei revoltado com a demissão do 
Manoel Tavares da presidência da Corretora BRB (banco do governo de Brasília). 
Ele é meu amigo e saiu porque não concordou com a roubalheira”, disse Dias a ÉPOCA.

João Dias postou no blog a foto de um Honda Civic preto, com os dizeres “Carrinho 
que ainda vai assustar e abalar a estrutura política do Distrito Federal”. O que quis 
dizer com isso? “Foi por causa do Geraldo”, diz ele. Trata-se de Geraldo Nascimento 
de Andrade, principal testemunha contra Agnelo na acusação de recebimento de 
dinheiro. Sócio de uma das empresas usadas para desviar recursos do Ministério 
do Esporte, Geraldo confessou o crime, delatou seus parceiros e se tornou 
réu colaborador da Justiça. Em depoimento à polícia, disse que, entre os dias 
7 e 8 de agosto de 2007, sacou o equivalente a R$ 335 mil em uma agência do 
Banco de Brasília (BRB) para pagamento de propina. Desse dinheiro, ele diz ter 
colocado R$ 256 mil em uma mochila. Acompanhado de Eduardo Pereira 
Tomaz – principal auxiliar de João Dias nos projetos pagos pelo programa 
Segundo Tempo –, ele diz ter entregado a mochila a Agnelo, em um estacionamento 
de uma concessionária de motos.

Apesar das ameaças, no depoimento que prestou à Polícia Federal, João Dias 
disse desconhecer o envolvimento de Agnelo com os problemas no Ministério do
 Esporte. Ele confirmou as denúncias contra Orlando Silva, mas disse a ÉPOCA 
não ter participado de entrega de dinheiro ao ministro. “Não entreguei e não vi. 
Quem me disse que por várias vezes entregou dinheiro para o ministro, inclusive 
na garagem do ministério, foi o Fredo (Ebling, dirigente nacional do PCdoB). 
O Fredo vivia lá em casa, deitava no sofá e falava do esquema de arrecadação do 
PCdoB no ministério”, diz Dias. A ameaça de denunciar Fredo como responsável 
pela arrecadação de dinheiro do PCdoB, em Brasília, foi a principal arma de João 
Dias para tentar engavetar os relatórios de fiscalização do Ministério do Esporte 
contra suas ONGs. “Contesto todas as acusações. Só estive uma vez na casa de 
João Dias, em 2006, para deixar material de campanha, pois nós dois 
éramos candidatos”, diz Fredo Ebling. “Nunca falei sobre arrecadação com ele e, 
depois da campanha, não estive mais com ele.”

A pressão sobre Orlando Silva aumentou ao longo da semana passada. Na 
terça-feira, epoca.com revelou que uma empresa venceu na sexta-feira 14, com 
uma proposta R$ 20 milhões mais cara, uma licitação para a compra de uniformes
 no programa Segundo Tempo. Muitas novidades sobre o caso ainda deverão vir à 
tona. ÉPOCA descobriu que Agnelo é citado em outro inquérito da Polícia Civil, que 
apura desvios de dinheiro em convênios firmados entre a ONG Novo Horizonte, 
dirigida por Luiz Carlos Coelho de Medeiros, e os ministérios do Esporte e da 
Ciência e Tecnologia. Uma testemunha disse à polícia que Agnelo favoreceu 
a Novo Horizonte como forma de retribuir o apoio financeiro de Medeiros nas 
eleições de 2006, quando Agnelo foi candidato ao Senado pelo PCdoB. Estagnadas 
por mais de um ano, as investigações agora tendem a avançar na Justiça.
 


Por Andrei Meireles, Marcelo Rocha e Murilo Ramos



Fonte: Revista ÉPOCA - Edição nº 701

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