Como o bicheiro
montou um verdadeiro império empresarial para desviar verbas, fraudar
licitações, lavar dinheiro e se infiltrar no poder público. Esse bilionário
esquema de corrupção funciona há 16 anos e se espalha por todo o
Brasil
Por Claudio
Dantas Sequeira Isto É
INVESTIGAÇÃO
CPI pretende apurar o alcance do esquema de Cachoeira
Na semana passada,
ISTOÉ obteve a íntegra do inquérito da Operação Monte Carlo, que resultou na
prisão do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. São
quase 15 mil páginas, reunidas em 40 volumes e duas dezenas de apensos, além de
11 mil horas de gravações.
Na análise do
processo, do qual apenas alguns trechos eram conhecidos até então, a Polícia
Federal não só traz à tona as relações promíscuas do esquema do bicheiro com
autoridades nos três níveis de poder como esmiúça um império de empresas criadas
com a finalidade de corromper em todo o País, desviar verbas, fraudar licitações
e lavar o dinheiro ilegal.
O levantamento
também deixa claro que o grupo de Cachoeira vem agindo há pelo menos 16 anos e
foi capaz de ultrapassar diversos governos e tonalidades partidárias. “Aqui come
todo mundo, cara. Se não pagar pra todo mundo não funciona. Eu tô nisso há 16
anos!”, sintetiza Lenine Araújo de Souza, o braço direito de Cachoeira, em
diálogo gravado pela Polícia Federal.
A descentralização dos negócios e o uso extensivo de laranjas deram capilaridade nacional à atuação de Cachoeira. Embora o bicheiro mantenha o controle das empresas por meio de um núcleo formado por parentes e amigos próximos, a PF identificou pelo menos 149 pessoas que em algum momento estiveram ou ainda estão associadas à quadrilha.
A descentralização dos negócios e o uso extensivo de laranjas deram capilaridade nacional à atuação de Cachoeira. Embora o bicheiro mantenha o controle das empresas por meio de um núcleo formado por parentes e amigos próximos, a PF identificou pelo menos 149 pessoas que em algum momento estiveram ou ainda estão associadas à quadrilha.
Normalmente, a
máfia de Cachoeira participa de licitações que já consideram ganhas, à base, é
claro, de pagamentos de propina para autoridades e servidores estratégicos. A
análise desse império de dimensões bilionárias indica que Cachoeira, nos últimos
anos, usou especialmente empresas ligadas à área de medicamentos para se
aproximar de governos em, no mínimo, nove Estados.
O objetivo do
empresário-bicheiro era abocanhar uma bilionária fatia da verba pública
destinada à compra de medicamentos genéricos. Para isso, criou o laboratório
Vitapan, com sede em Anápolis (GO), que rapidamente se tornou um dos principais
fornecedores nacionais de genéricos. O laboratório foi uma espécie de cartão de
visitas de Cachoeira para se infiltrar em governos estaduais e municipais.
Hoje, a empresa
está avaliada em R$ 100 milhões, tem convênios até com a Fundação Oswaldo Cruz,
no Rio de Janeiro, e está associada a outros grandes do setor, como a Neo
Química e o laboratório Teuto Brasileiro.
A Neo Química está
hoje nas mãos do grupo Hypermarcas do empresário Marcelo Henrique Limírio, sócio
de Cachoeira no Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF), que produz testes
laboratoriais e faturou R$ 10 milhões em 2010, segundo a PF. Limírio também é
sócio do senador Demóstenes Torres no Instituto de Nova Educação, faculdade
criada em Contagem, e doou R$ 2,2 milhões para as campanhas de Demóstenes e do
governador de Goiás, Marconi Perillo.
Ao longo dos últimos 16 anos, Cachoeira aprimorou e diversificou esse esquema. Mas, no início de suas atividades, ele usava empresas de gestão de loterias, seu core business, para fazer a aproximação com o poder público.
Ao longo dos últimos 16 anos, Cachoeira aprimorou e diversificou esse esquema. Mas, no início de suas atividades, ele usava empresas de gestão de loterias, seu core business, para fazer a aproximação com o poder público.
Com a empresa
Capital Bet, ele venceu sozinho a concorrência para a distribuição de bilhetes
de loterias no Rio Grande do Sul, em 2001, na gestão Olívio Dutra. Com a
Gerplan, que controlava a loteria em Goiás, entrou no Rio de Janeiro e em Minas
Gerais.
O modus operandi
incluía fraudes nos prêmios das loterias e suborno de autoridades, como foi
revelado no escândalo Waldomiro Diniz, que desembocaria na CPI dos
Bingos.
ALVO
Senador Demóstenes Torres reaparece
no Congresso e gera tumulto
Hoje as
organizações de Cachoeira possuem tentáculos que vão muito além da loteria e do
jogo do bicho. Entre os negócios com fachada legal mais lucrativos de Cachoeira,
está a construção civil. Até aqui desconhecida do mercado, a Mapa Construtora
firmou contratos com prefeituras do Ceará e de São Paulo.
Na capital
paulista, a empreiteira é a responsável pela construção do edifício que vai
abrigar o arquivo geral da USP – contrato de R$ 2,1 milhões. Na cidade cearense
de Vartoja, firmou convênios de R$ 1,8 milhão para a construção de uma escola
infantil e uma quadra esportiva, que ainda não saíram do papel.
Outra empresa do
grupo do bicheiro, a Trade Construtora, obteve contrato de obras públicas em
Anápolis, na atual gestão do petista Antônio Gomide. A Trade foi condenada pela
Controladoria do Estado a devolver R$ 360 mil por irregularidades. Esses
contratos, no entanto, representam uma pequena parcela do lucro de Cachoeira no
setor.
A partir de rastreamentos bancários feitos pela PF, sabe-se agora que boa parte dos recursos públicos que irrigaram o esquema do bicheiro saiu de contratos da Construtora Delta, líder de repasses do governo na área do Ministério dos Transportes.
A partir de rastreamentos bancários feitos pela PF, sabe-se agora que boa parte dos recursos públicos que irrigaram o esquema do bicheiro saiu de contratos da Construtora Delta, líder de repasses do governo na área do Ministério dos Transportes.
Segundo a PF,
Cachoeira seria “sócio oculto” da Delta, articulando negócios conjuntos com a
empreiteira, discutindo planilhas de obras, compartilhando funcionários e,
inclusive, despachando da própria sede da empresa. Um dos diálogos interceptados
pela PF mostra como Cachoeira e a Delta fizeram um consórcio para a compra da
empresa Ideal Segurança, responsável pela segurança de aterros sanitários
controlados pela Delta, por R$ 199 milhões.
Em outro grampo
revelador, até agora inédito, descobre-se que o ex-diretor do Dnit (Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes) Luiz Antônio Pagot foi monitorado
clandestinamente por pelo menos dois anos. “Tem mais de um ano que o tal do
Pagot tá no grampo, entendeu?”, conta o espião Dadá ao bicheiro, em 11 de julho
de 2011. Questionado por ISTOÉ, Pagot confirmou que, quando estava no comando do
Dnit, foi informado por um delegado amigo sobre a existência de grampos no
gabinete em Brasília e em seu escritório em Cuiabá (MT).
A deflagração da
Operação Monte Carlo indica que Cachoeira trabalhou pela demissão de Pagot e da
cúpula do Ministério dos Transportes. Agora, suspeita-se que a Delta pode ter
tido acesso a informações privilegiadas de dentro do Dnit, responsável pelas
maiores obras da empreiteira.
Sócio ou não da Delta, está cada vez mais claro que a empreiteira fazia a ponte com outras empresas do grupo de Cachoeira para facilitar o toma lá dá cá com o mundo político. A Delta também tem contratos em Anápolis, que abrangem obras rodoviárias e coleta de lixo. Nos contratos das duas empresas a PF vê o dedo do deputado federal Rubens Otoni (PT), flagrado em vídeo negociando com Carlinhos doação de R$ 100 mil para o caixa 2 de sua campanha eleitoral.
Sócio ou não da Delta, está cada vez mais claro que a empreiteira fazia a ponte com outras empresas do grupo de Cachoeira para facilitar o toma lá dá cá com o mundo político. A Delta também tem contratos em Anápolis, que abrangem obras rodoviárias e coleta de lixo. Nos contratos das duas empresas a PF vê o dedo do deputado federal Rubens Otoni (PT), flagrado em vídeo negociando com Carlinhos doação de R$ 100 mil para o caixa 2 de sua campanha eleitoral.
Otoni, aliás, está
na lista da PF de beneficiários do jogo do bicho. Foi denunciado que o senador
Demóstenes Torres recebia 30% do faturamento da jogatina comandada por
Cachoeira. Só que esse montante, na verdade, era repartido entre os deputados
Leréia (PSDB), Jovair Arantes (DEM) e o próprio Rubens Otoni, segundo as
investigações.
O caso mais
flagrante, talvez, seja o repasse de R$ 26,2 milhões feito pela Delta à
empreiteira Alberto e Pantoja Construções. Sem negócios reais e funcionando num
endereço fictício, a empresa destinou R$ 17,8 milhões às companhias Midway Int.
Labs. e Rio Vermelho Dist., que injetaram capital na campanha do deputado
federal Sandes Júnior (PP-GO), do ex-senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), do
governador Marconi Perillo (PSDB-GO) e da vereadora Miriam Garcia (PSDB-GO).
Também foram
beneficiados políticos do Distrito Federal, de Pernambuco e São Paulo. Já a
Emprodata Administração de Imóveis, também uma empresa de fachada, repassou ao
menos R$ 100 mil à Asfalto Brasília Ltda., que injetou R$ 175 mil na campanha da
deputada Jaqueline Roriz (PMN).
Outra empresa do esquema, a MZ Construções efetuou depósitos de R$ 520 mil na conta da Negocial Fomento Mercantil, que doou R$ 20 mil para a campanha do deputado federal Augusto Coutinho (DEM-PE). A gráfica Laser Press, também usada pela quadrilha, foi doadora da campanha do deputado Edson Aparecido (PSDB-SP). O argumento usado pela Delta é de que tais repasses não têm relação com as campanhas políticas, são apenas pagamentos a alguns dos milhares de fornecedores da empresa. Faria sentido, não fosse a proximidade de Carlinhos com a empreiteira.
DF -- Por fim, o levantamento da Operação Monte Carlo também indica que Cachoeira passou a investir em imóveis rurais para a criação de gado, recurso usado como meio para a lavagem e evasão de capitais. Seu patrimônio inclui ao menos 31 imóveis, incluída aí uma fazenda de gado nelore. Cachoeira também vinha fazendo investimentos pesados em empreendimentos imobiliários, turísticos e até na implantação de cidades.
Outra empresa do esquema, a MZ Construções efetuou depósitos de R$ 520 mil na conta da Negocial Fomento Mercantil, que doou R$ 20 mil para a campanha do deputado federal Augusto Coutinho (DEM-PE). A gráfica Laser Press, também usada pela quadrilha, foi doadora da campanha do deputado Edson Aparecido (PSDB-SP). O argumento usado pela Delta é de que tais repasses não têm relação com as campanhas políticas, são apenas pagamentos a alguns dos milhares de fornecedores da empresa. Faria sentido, não fosse a proximidade de Carlinhos com a empreiteira.
DF -- Por fim, o levantamento da Operação Monte Carlo também indica que Cachoeira passou a investir em imóveis rurais para a criação de gado, recurso usado como meio para a lavagem e evasão de capitais. Seu patrimônio inclui ao menos 31 imóveis, incluída aí uma fazenda de gado nelore. Cachoeira também vinha fazendo investimentos pesados em empreendimentos imobiliários, turísticos e até na implantação de cidades.
A preferência é por
áreas ainda não regularizadas, pelas quais ele poderia subornar autoridades e
servidores para conseguir a regularização e depois revender o imóvel com uma
valorização exponencial. Um dos maiores negócios na mira de Cachoeira é uma
fazenda de dez milhões de metros quadrados no Distrito Federal.
A área está sendo
cogitada a abrigar uma extensão da cidade-satélite de Vicente Pires. Num diálogo
interceptado pela PF, Gleyb Ferreira, gerente do esquema Cachoeira, trata da
negociação com um grupo de São Paulo de metade da fazenda, avaliada em R$ 1,07
bilhão e cuja regularização será acertada com a Terracap na base da propina.
Outra parcela estaria sendo negociada com o grupo Brookfield, que, segundo
suspeita a PF, teria o ex-governador José Roberto Arruda como representante
informal no DF. “Se o pessoal da Brookfield também abrir as pernas e começar com
muito rolo, eu passo para São Paulo”, diz Gleyb.
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